sábado, 25 de abril de 2020

CANTAR A LIBERDADE

„TROVA DO VENTO QUE PASSA“
MANUEL ALEGRE

Pergunto ao vento que passa

notícias do meu país

e o vento cala a desgraça

o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam

tanto sonho à flor das águas

e os rios não me sossegam

levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas

ai rios do meu país

minha pátria à flor das águas

para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas

pede notícias e diz

ao trevo de quatro folhas

que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa

por que vai de olhos no chão.

Silêncio -- é tudo o que tem

quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos

direitos e ao céu voltados.

E a quem gosta de ter amos

vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada

ninguém diz nada de novo.

Vi minha pátria pregada

nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem

dos rios que vão pró mar

como quem ama a viagem

mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir

(minha pátria à flor das águas)

vi minha pátria florir

(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada

e fale pátria em teu nome.

Eu vi-te crucificada

nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada

só o silêncio persiste.

Vi minha pátria parada

à beira de um rio triste.A

Ninguém diz nada de novo

se notícias vou pedindo

nas mãos vazias do povo

vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro

dos homens do meu país.

Peço notícias ao vento

e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia

dentro da própria desgraça

há sempre alguém que semeia

canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste

em tempo de servidão

há sempre alguém que resiste

há sempre alguém que diz não.




Manuel Alegre escreveu, António Portugal musicou, Adriano cantou, fez-se poesia e fez-se história!

Este poema de Manuel Alegre simboliza a esperança pela Liberdade e foi cantado por  Adriano Correia de Oliveira. O cantor era um amigo do poeta e companheiro das lutas estudantis em Coimbra.
Anos antes, o convívio entre os dois possibilitou a criação de um  poema-cantiga que ficou na história da resistência à Ditadura. *Conta-se que numa noite, em plena Praça da República em Coimbra, Manuel Alegre exprimia a sua revolta:
«Mesmo na noite mais triste/ Em tempo de servidão/ Há sempre alguém que resiste/ Há sempre alguém que diz não».
E Adriano Correia de Oliveira disse «mesmo que não fiquem mais versos, esses versos vão durar para sempre». Ficaram. António Portugal compôs a música .  «E depois o poema surgiu naturalmente». Tinha nascido a Trova do vento que passa. Três dias depois vieram para Lisboa, para uma festa de recepção aos alunos na Faculdade de Medicina. Manuel Alegre fez um discurso emocionado, depois Adriano Correia de Oliveira cantou e quando acabou de cantar:
«foi um delírio, teve de repetir três ou quatro vezes, depois cantou o Zeca, depois cantaram os dois. Saímos todos para a rua a cantar. A Trova do vento que passa passou a ser um hino».





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